terça-feira, 17 de julho de 2007

Que frio que nada!


Entrei com a reta missão de falar sobre apartamentos, salas tortas e banheiros com tanques de roupas sujas. Mas no caminho do bebedouro para a mesa algo mudou. Talvez tenha sido o frio - me sinto sempre um pouco mais melancólico no frio, não sei se porque penso mais na companhia do vinho, da coberta e da desculpa do filme ou se por questões de puro metabolismo, que me fogem do meu conhecimento nada biológico - talvez tenha sido o reflexo que vi na janela da copa.
Eu, tristeza, gravata grudada ao pescoço, desenhado do outro lado de lá do mundo. Vi a vontade de não estar ali (que infelizmente neste exato momento ainda é aqui) estampada em cada linha do rosto, caricatura de funcionário padrão que deixa os dias da vida vazarem pelos pixels da tela de computador.
Confesso que gostaria de ser a árvore que vi, a 7 andares longe de mim, e ter como única preocupação de existência o enfrentamento da ventania. Não que tenha problemas em ser algo dotado de vontade, inteligência e dedos. Mas a idéia de existir para se balançar ao vento e nada mais, me pareceu suficiente. Claro que se perde uma folha ou outra, mas a razão é simplesmente tremer.
Mas, como não se pode perder os problemas nem a vontade com um chacoalhão terei de permanecer plantado em frente a tela, com o frio a me deixar melancólico, pensando naquela árvore sortuda.
E isso tudo justamente no dia em que constato que tenho de ser otimista. Alguma alma negra inventou um site em que se descobre o exato dia em que se morre com apenas a data de nascimento, as compleições físicas do alvo da clarividência, se o futuro morto fuma e o que mais me deixou intrigado, se a pessoa é normal, pessimista ou otimista. Numa primeira tentativa futurológica morri em 2053. Achei muito pouco e como nunca gostei de número ímpar - dá-me sensação de que falta metade para ser inteiro - resolvi maquiar um pouco os dados. Enquanto amaldiçoava o cigarro ocasional, sempre ocasional, triste com o frio, com o fato de não ser árvore, e com ter de parar de fumar, tive a comprovoção de que o ministério da saúde adverte muito mal, se eu não fumasse morreria nos mesmos dois mil e cinquenta e três anos. Na segunda tentativa de ter alguns anos de lambuja fui surpreendido com o peso de ser ranzinza. De mudar minha postura para com o frio da vida ganhei assombrosos 17 anos e encerro minha participação singela em 2070. É isso então, dane-se as árvores, qualquer idéia que envolva cobertor e vinho, as linhas de cansaço e a copa do escritório, de agora em diante eu sou um fumante de um otimismo sem tamanho, e salve a felicidade incondicional, de terno e tudo!

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Se tem de andar, andar...

Sempre o começo é confuso. De cada palavra vivida o pouco que fica é o gosto de dizê-la. De vivê-las aos pedaços enquanto ela se pula da boca. Sentir o grave delas. Nunca se esqueça do grave delas. Minhas palavras de começo são a síntese do agora. Um começo. Perdi um certo pedaço de vida num embrulho sem sal, sem saber o que nem quando adicionar. Não acredito que tenha sido hoje a mudança. Essas coisas cozinham dentro de você, em banho, Maria. Não acredito numa música reveladora, ou na luz de qualquer estrela, nem mesmo da primeira. Nada é assim tão fácil, quanto menos uma mudança. É estranho andar em rodopios, num afobo de querer correr para fora de si, a se afastar daquilo que te grita. Ainda mais é perceber que não é do grito que se corre mas do ato que se terá de fazer. E sentir cada vez mais suave em você que não haverá escapatória. Passamos nossas vidas, dia a dia, escondendo o grito, fingido-nos de surdos àquilo que somos, que queremos. Nos amaciando ao cotidiano que realmente nos alisa, sem nunca perder na garganta o áspero amargo do erro. Anulando cada vez um pouco mais o que no escuro já nos juramos ser intransponível. Sempre gostei das palavras, do brincar de suas tantas significações, do dizer sem ter dito, mas começo, hoje, a sentir o ardido do tapa que levei. "O mais bonito da palavra não é o som de transformação, mas a transformação em si". É um ótimo jeito de se começar a bater o pé pelo que tentam amaciar, realizar a tranformação das palavras. E a palavra, hoje, é andar...