sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

preciso transfundir meu sangue

Não sei se é possível escrever sem deixar um pedaço de si. Aliás, é exatamente para isso que se escreve. Às vezes sai fácil, o mostrar é de gosto e acompanha flores. Corporificação sempre menor de sentimentos inexplicáveis, mas ao menos símbolo do que se pulsa, às vezes, em disritmia.
Mas vai chegar algum dia em que numa manhã saída sem beijo, a tira vem de sangue, arrancada para buscar alguma coisa de ar. Como se as palavras carregassem consigo algum peso que não se agüenta mais levar nos bolsos.
Se for graça, aversão, dor ou repulsão, você estará ali, camuflado que seja, de anjo ou de monstro, embrenhado pelas linhas, nas escolhas de palavras, no momento do ponto final.
Escrever é materialização da alma. Como ter método para externar o que é só teu? Não é psicografia de uma entidade santa. É a consciente descoberta no tentar entender o que só começa como coceira, inquietação.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

entre atos


faça alguém feliz, saia de você o suficente para isso. se dê a chance de pagar o aluguel, voltar para casa do trânsito, terminar o relatório, abrir a lata de palmito, ouvir o fim da bateria naquela música que você queria escutar, tomar chuva de terno e gravata para uma reunião que vai mudar o mundo da contabilidade moderna, passar 15 dias em angra dos reis no maior vendaval da história da ilha, com nada mais para fazer do que jogar paciência, sem energia e cerveja. dê a chance de passar pelo inferno sem ficar queimado. aproveite cada lambida, do doce, do quiabo. sente em um quarto mofado de hotel, com vista para outro hotel mofado e aproveite, nem que seja o mofo. a verdade é que o caminho tem buraco, não há como tapá-lo nem desviar e provavelmente algum pneu vai estourar e você vai ficar 3 horas tentanto fazer aquele macaco enferrujado funcionar. não é caminho para a redenção, salvação, perdição. não faça disso auto-ajuda, nem qualquer tipo dela. só perceba. tenha a percepção do que se passa nos dedos. tenha a mesma percepção da gripe, a idéia que qualquer febril já teve de como é delicioso simplesmente não ter febre. o extasio de viver de quem descobre a morte próxima. não espere morrer para saber que cada dia, no trânsito, em angra com chuva, tua avó, as amigas e toda a excursão do clube da terceira idade de itaquaquecetuba, tem o delicioso do experimentar.