segunda-feira, 27 de outubro de 2008

3 séculos a mais

Tem desses dias que nos perdemos nas pernas. As pernas que te faz, sem ver, olhar para a torre de muito amiga, num devagar sem arrastamento, um prolongar. Pode-se culpar de tudo. A bolsa, o Kassab, o mar de prazos, folhas e batidas frenéticas de teclado, pode-se culpar aquela palavra ou esse silêncio, culpa sempre se arranja, a pesar os joelhos. Não me ative nela, fui segurado pelo aperto. Esse sabe-que-lá já velho e muito conhecido. Um inconfundível nó nalgum lugar entre a tireóide e a traquéia. Esse miolo de pão que não desce seja quanta água for. O tema era o surrado desagrado do sozinho. A saudade do cheiro que não circunda mais, assombra. A pele, aquela pele. A ausência do ser cúmplice. Do ouvir o desembestar de qualquer história, a risada, o respiro, os pequenos barulhos. Era para pegar o ônibus, mas de aperto bastava o meu. Foram-se as pernas para o calor, sem dar a menor para os sapatos sola fina, o terno tecido grosso, convenções de medida da distância.

No randômico das mil músicas, a angústia durou 3, talvez 4. Eu já no automático da cena esperava pelo choro que não veio. Perdido e sem script até forcei uma, mas nada de nem furtiva lágrima. Me peguei gostando da batida pernambucana do Lenine, do ar da chuva que nunca mais desconjuro depois da secura impregnada nas narinas por 30 dias de cerrado. Já pelas pernas da Avenida, olhando o infinito dos tantos carros, a pergunta não era mais do que não tinha, mas de que filme a segunda-feira da 2001 me tinha deixado. Me vi no gostoso de Zelig de Woody Allen, da pipoca gorda nada de light e muita manteiga, no abençoar da chuva que veio na hora certa, na hora que quis.

Descobri nessa noite que o Word publica, a blockbuster nem pipoca tem mais, o x-salada com ovo vale uma dezena de reais e trinta minutos de esteira. Claro que o perfume é bom e falta pelo ar. Não perdi o querer. Perdi é o atropelo desesperado, como se tivesse lavado das mãos o encardido com a última gota d'água que me foi agraciada. Acho que perdi o ultra e estacionei no só romântico. Só é bom também, é bom também.

sábado, 11 de outubro de 2008

1996, a metade inteira

Não sei se foi o sono, ou se foi mesmo destino, afinal não se pode fechar os olhos para a tremenda coincidência. Em menos de 12 horas, ele bateria a mesma perna, e de novo, nalguma coisa dela. Andando para o fundo do café, ele nem viu a pasta colocada ao lado da cadeira. Foi um desastre. Antes a batida tivesse apenas machucado a perna que já estava sensível. Mas quando se pode ter resultados catastróficos, para que a simplicidade? A pasta escorregou pelo salão, parando apenas no garçom que trazia o café preto, sem açúcar, e dois pães de queijo que ela sempre pede. Com os olhos fechados para impedi-lo de assistir o desastre, ele viu só resultado. Um garçom estirado no chão, atônito pelo surgimento de uma pasta expressa fazendo caminho no meio do salão, um café esparramado e dois pães de queijo rolando para baixo da mesa. Ele púrpura de vergonha pede desculpas para a moça, para o garçom, para os demais telespectadores e não sabe se devolve a pasta, levanta o atendente, procura pelos pães de queijo ou corre desesperado até a cidade vizinha e nunca mais volta naquele café. Enquanto olhava para a porta, calculando a velocidade média necessária para uma fuga perfeita, o garçom já tinha se levantado e ela, olhando para aquela figura desolada, pergunta se tinha doído. Nunca conseguiu entender o porquê da pergunta. Não era de conversar com ninguém, muito menos com alguém que chutasse sua pasta e derrubasse seu café. Mas alguma coisa naquele rosto triste, naquele ar de desamparo a despertou. Era como se pela primeira vez tivesse olhado no espelho e visto nada mais que tristeza. Ele demorou para entender o que acontecia. De todas as alternativas previstas esta nem sequer passou pela sua cabeça. Olhou para aquela mulher bonita, que se esforçava para contrariar essa natureza a todo custo e, sorrindo pela primeira vez em dois dias, disse não. Senta, convidou ela desacreditando nas próprias palavras. Assim você me paga o café que me fez perder. Sentou. Pela primeira vez estava no lado oposto de uma mesa com outra mulher que não a sua primeira namorada, sua noiva, sua ex-mulher. No momento estava perplexo demais para se ver planejando alguma coisa e acabou por ser ele mesmo. Conversaram por duas horas. De frivolidades climáticas a confidências metafísicas. Mas nem um nem outro conseguiu falar de suas experiências românticas. Como se diz que seu casamento acabou porque sua mulher resolveu se entreter de outro alguém? E pior, como se diz que se passou a vida inteira sem nunca amar ninguém? Era já quase nove horas da noite quando ela caiu em si. Assustada com aquela rebeldia contra o cronograma tradicional ela resolveu voltar para casa. Se despediram na porta, ela chegou a oferecer uma carona, mas ele queria voltar à pé. Ela não conseguia se lembrar da última vez que tinha chegado tão tarde em casa, muito menos porque se perdeu conversando com alguém. Já ele tinha esquecido como era conversar. Seu casamento nos últimos anos se resumiu a grunhidos.  Sua ex-mulher malmente o olhava, quem dera falasse com ele. Os dois dormiram como nunca. E enquanto ela cumpria sua rotina pela última vez, ele se refestelava na piscina, agora sem tentar nada mais do que se enrrugar. Depois do trabalho, correu para o café, sem nem perceber que a força que a impulsionava naquela tarde não era a rotina, e ele já estava lá. Ele nem precisou convidá-la. Ela foi direto à sua mesa. Ainda não tinha explicação para tamanho atrevimento. Agia pelo impulso que desconhecia. Impulso esse que, também pela primeira vez, movia aquele romântico desfalecido. Algo nela o acalmou. Quem sabe a dor na perna ou o furacão que revirou sua cabeça tivessem anestesiado seu ímpeto projetista. Dessa vez o assunto foi inevitável. Ele foi o primeiro a desabafar o desastre amoroso. Destapou a falar, do primeiro encontro à noite do dia 31. Ela não demorou muito a contar a história de sua vida amorosa.

Nunca teve uma. Pulou de um relacionamento para o outro sem nem vive-los. O trabalho a consumiu por inteira, não deixara nem uma força para outra coisa, mentia-se ela. Quando ela terminou, perceberam que, de formas tão distantes, chegaram no mesmo fim. Nenhum nunca tinha realmente amado. Ele porque perdeu todo o tempo planejando o que deveria ter vivido, ela porque não viveu qualquer coisa fora de seu escritório. Não sei te dizer como. Nem eles sabem. Se foi o fim avassalador que imobilizou a mania dele de só sonhar, se foi o olhar triste que fez ela se reconhecer, se simplesmente foi. Sendo qual motivo fosse, naquela noite do dia 2 de janeiro de 1996  ele aceitou a carona e às 10:00 da manhã seguinte, nenhum deles tinha acordado.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

1996, a segunda metade

Mas como dizia, ele se arrastava pela orla, triste que só, pobre dele. A vida estava tão distante daquela cabeça que os olhos não viram o carro. Não se pode culpar só a distância dele, temos que admitir que a sonolência dela contribuiu para o encontrão. Não, ele não ficou a beira da morte, ninguém passou a noite acordada olhando para o leito de um hospital todo aparelhado e com várias telas de pontos verdes subindo e descendo. Isso aqui não é escrito pela Glória Peres e muito menos tem um orçamento global. O que aconteceu foi o esperado. Ela se assustou, ele ficou com a perna doendo. Após alguns pedidos de desculpas e uma certa preocupação com o rapaz, após perceberem que não passou de susto, ele voltou a se arrastar e ela finalmente saiu do prédio e foi para o trabalho. O hotel era perto. E ele ainda não tinha conseguido engolir aquilo. Não a localização, mas a existência. Como é que aquela erra e ele é que tem que sair de casa? Anos gastos para se achar o sofá perfeito e as almofadas exatas para agora deitar num quarto padronizado e insosso. A vida tinha mesmo desmoronado e ele tinha as férias inteiras para sorver cada segundo amargo. Depois de se enrugar na piscina o dia todo, na tentativa frustrada de se matar de tédio, ele resolveu tentar dormir. A cabeça batia nos mais variados ritmos étnicos. Todas as tribos africanas eram contempladas pelo ressoar altissonante da sua ressaca. A noite tinha sido uma caminhada sem fim, regada a algum parente de quinto grau de alguém que já esteve na Escócia, mas de passagem. Mas mesmo com um sono de anteontem, não conseguiu pregar o olho. A imagem se repetia com um vigor invejável. Uma, duas, dez, cem, e a imagem não se cansava nunca, impávida, a maldita. Desistiu quando a imaginação resolveu tomar espaço, apresentando outros ângulos à cena. Lembrando de um café gostoso no centro, resolveu, para variar, dar uma caminhada e deixar os atores em posições acrobáticas performáticas terem um pouco de privacidade. Ao chegar nem notou que ela estava lá, aliás, como sempre faz, todo e qualquer dia.  Se o choque adúltero tinha abalado por completo a rotina do nosso romântico, a dela nunca se desviou um centímetro, até mesmo porque a monotonia era tamanha que a possibilidade de algo chocante acontecer era, desconsiderando a margem de erro, zero. Acordava sempre às 6:00, tomava seu café invariavelmente as 6:15, e de banho tomado saía do seu prédio às 7:03, com uma pontualidade de fazer se remoer qualquer londrino. Entrava às 7: 30, almoçava ao meio dia, saía às 18:30, e o grande luxo do seu dia era tomar um na esquina café antes de voltar para casa. Tanta rotina consegue cansa qualquer um.... é melhor deixar o resto pra próxima, e tomar um café em algum lugar por aí.