Mas como dizia, ele se arrastava pela orla, triste que só, pobre dele. A vida estava tão distante daquela cabeça que os olhos não viram o carro. Não se pode culpar só a distância dele, temos que admitir que a sonolência dela contribuiu para o encontrão. Não, ele não ficou a beira da morte, ninguém passou a noite acordada olhando para o leito de um hospital todo aparelhado e com várias telas de pontos verdes subindo e descendo. Isso aqui não é escrito pela Glória Peres e muito menos tem um orçamento global. O que aconteceu foi o esperado. Ela se assustou, ele ficou com a perna doendo. Após alguns pedidos de desculpas e uma certa preocupação com o rapaz, após perceberem que não passou de susto, ele voltou a se arrastar e ela finalmente saiu do prédio e foi para o trabalho. O hotel era perto. E ele ainda não tinha conseguido engolir aquilo. Não a localização, mas a existência. Como é que aquela erra e ele é que tem que sair de casa? Anos gastos para se achar o sofá perfeito e as almofadas exatas para agora deitar num quarto padronizado e insosso. A vida tinha mesmo desmoronado e ele tinha as férias inteiras para sorver cada segundo amargo. Depois de se enrugar na piscina o dia todo, na tentativa frustrada de se matar de tédio, ele resolveu tentar dormir. A cabeça batia nos mais variados ritmos étnicos. Todas as tribos africanas eram contempladas pelo ressoar altissonante da sua ressaca. A noite tinha sido uma caminhada sem fim, regada a algum parente de quinto grau de alguém que já esteve na Escócia, mas de passagem. Mas mesmo com um sono de anteontem, não conseguiu pregar o olho. A imagem se repetia com um vigor invejável. Uma, duas, dez, cem, e a imagem não se cansava nunca, impávida, a maldita. Desistiu quando a imaginação resolveu tomar espaço, apresentando outros ângulos à cena. Lembrando de um café gostoso no centro, resolveu, para variar, dar uma caminhada e deixar os atores em posições acrobáticas performáticas terem um pouco de privacidade. Ao chegar nem notou que ela estava lá, aliás, como sempre faz, todo e qualquer dia. Se o choque adúltero tinha abalado por completo a rotina do nosso romântico, a dela nunca se desviou um centímetro, até mesmo porque a monotonia era tamanha que a possibilidade de algo chocante acontecer era, desconsiderando a margem de erro, zero. Acordava sempre às 6:00, tomava seu café invariavelmente as 6:15, e de banho tomado saía do seu prédio às 7:03, com uma pontualidade de fazer se remoer qualquer londrino. Entrava às 7: 30, almoçava ao meio dia, saía às 18:30, e o grande luxo do seu dia era tomar um na esquina café antes de voltar para casa. Tanta rotina consegue cansa qualquer um.... é melhor deixar o resto pra próxima, e tomar um café em algum lugar por aí.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
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