sábado, 1 de março de 2008

Não quero mais saber do apartamento que não é libertação

Eu tenho problemas com meus vizinhos. Eles têm comigo, na verdade. Moro num apartamento honesto, de simpatia agradável, sem muitos rebuscos, mas carinhoso. O duro é que cercado por senhoras. Muitas delas, todas elas, e senhoras, bem senhoras. Nada contra senhoras, que deixe isso muito mais do que claro. Sou daqueles que sorri para velhinhos na rua, acho mesmo a prova mais concreta que dá pra passar pela vida e sobreviver a ela. Mas o problema é a mistura das coisas nestes andares. A senhora maior, com o lustroso título de subsíndica do prédio, é bom exemplo. Já logo no primeiro dia de casa, recebo o susto da campainha. Abro, está ela. Baixinha e brava. Não sei sinceramente dizer qual dos dois adjetivos ganha do outro. Chamemos um empate. Boa tarde rapazinho, ela me diz. Gostei do rapazinho... me senti no pré, sendo repreendido pela tia porque comia o giz de cera da coleguinha do lado (não sei até hoje se o puxalão foi porque tóxicos ou caros). O rapazinho leu os termos de convivência do prédio? Eu li, o pior é que li. Aliás, quase chamei a polícia, ou os marines talvez, passado o choque. Propaganda nazista, para ser delicado. "Não respire perto da janela ou da porta, você pode incomodar. Se com sinusite, evite respirar em qualquer lugar, barulhos são indesejáveis. Ao assistir uma partida de ludopédio não grite, não resmungue, nem murmure, movimente seus lábios o menos que puder. Bebidas são terminantemente proibidas, visitas também. Existem lugares próprios para balbúrdias. Sem libertinagens! Manuel Bandeira é pena capital, dirija-se de imediato ao segundo secretário geral que o lhe proverá com o bom de Alberto de Oliveira e suas lindas descrições de vasos. Pregue pregos se estritamente necessário. Horário permitido: 13:30 a 13:33 das quartas-feiras ímpares dos anos bi-sextos". Essa era minha infração, eu martelava como um desvairado para o horror dos ouvidos vizinhos numa terça-feira, às 18:31. Era um acinte, um achincalhe aos costumes. Cadê o devido respeitos às regras condominiais? Aonde está a ordem? Martelei, na verdade, duas vezes, o suficiente para ser notado e para o deslocar daquele xerife impávido. Leu? Então o mocinho sabe bem que não deveria estar fazendo o que está, a essa hora da noite, atrapalhando o bom e merecido descanso dos seus convivas, bons cidadãos de paz! Mas minha senhora, são 18:31 e tenho só este mísero e minúsculo prego para fixar, sou um trabalhador, tão misero quanto o prego, mas longe de ser tão útil... tenho minhas semanas consumidas pelos donos das coisas, pelos chefes do mundo, pelo homem. Não interessa! Regras são regras. Tome essa seu advogadozinho de merda. Bom, quando então, se por mais que estejamos em ano bi-sexto, minhas quartas ímpares estão ocupadas ano afora pela infelicidade do trabalho? Nunca. E assim foi. Tive de deixar meus quadros na expectativa do dia 11 de março, que clarividentemente me previ uma febre das brabas que preocupará a todos do escritório...

É esse o grande problema das senhoras que me cercam a casa. Elas foram tele-transportadas de uma minas gerais de 235 anos atrás, fundadoras da mais crua e inflexível raiz do TFP. E não tem absolutamente nada para verem de suas janelas. As pessoas passam longe demais da vista. Como se ocupar então? Vamos tornar a vida desse menino insolente em um inferno. Dante terá pena, pena! Quem ele pensa que é para ouvir dessas músicas, a esse volume? E as companhias então? Subversivos, todos eles. Comunistas, comunistas! À fogueira! Assim, meus amigos são contrabandeados quando consigo brecha, após meses de planos, contraplanos e ensaios, e me abastecem a cerveja. Ficamos todos em silêncio e nos comunicamos com blocos de nota e lápis macio. Confesso que me dá saudade deles, mas a sala é boa, e acabei de terminar a mobília. E não sei, mais tem umas músicas do Padre Marcelo Rossi que são até que batutas, viu?

Um comentário:

O Próprio disse...

Gostei do rapazinho