terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Essa mancha nenhum tira
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Lembrete
No mais, tudo é menor
Amor não é de tarde, a não ser em alguns dias santos. Só é legítimo quando, depois, se pega no sono. E há um complemento venturoso, do qual alguns se descuidam. O café com leite, de manhã. O lento café com leite dos amantes. No mais, tudo é menor. O socialismo, a astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga, todo ascetismo da ioga... O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira.
Antonio Maria, 1963.
sábado, 22 de novembro de 2008
Ah, a Modernidade
Estava na de andar sem juízo, desavisado, sem qualquer respeito pelas regras do bom caminhar, nada de direção, norte, compasso, com um ar que irritava qualquer um de bons-costumes, como se fosse dono de suas pernas, veja você, o despautério, quando se deu.
Se você perguntasse à maioria, teve o que merecia, nessas de andar assim...
Enfiou-se num buraco enorme, escondido dos homens de bem, numa fresta do que é reto. Caiu uma eternidade e meia numa escuridão sem ar, calor ou seja qual sensação fosse; o amortecer. Nem assim gritou, esperneou, caiu só.
Não caia no espaço, mas no tempo, ou pelo menos não neste sideral. O universo todo para o lado de lá daquele negrume sem fim a trilhar o curso; morriam, riam (alguns poucos), amaldiçoavam a chuva, as espinhas, trocavam de carro, de marido, faziam juras de amor, choravam o amor, combinavam cafés. E ele caia.
Foram 100.052 anos dos homens, suficientes para se perder o andar, o gosto do café ou do amor e até mesmo o que ele sabia por homem. Apagou-se da vida de quem fosse, um fantasma encarnado de gente sem nem saber dos costumes que pudesse desdenhar.
Um pouco sem jeito, num passo esquisito agora do atrofiado mais do que do descaso a regra, o primeiro lugar que tentou encontrar foi algum em que se encontrasse, aquele mundo distante de mil séculos atrás que tão incompreendia, mas que tinha de cor. Sabia bem daqueles olhares feios, o balançar rápido, pouco, mas sempre lá, da cabeça, os comentários abafados, os medos todos de quem ousava e dos que temiam até isso. Mas como culpá-los se todos imersos numa angústia enorme de agarrar os segundos saltitantes pelo pescoço, cheios de planos cortados a laser, mas cada um completa e angustiantemente perdido, confundindo necessidade com superficialidade, obstinação com neurose.
Agora era ele que se via perdido em qualquer senda do infinito, essa ou aquela realidade paralela, perpendicular ou espiralada, sem achar partícula que lhe fosse conhecida.
Em um misto de sonho do Dr. Seuss e a mais fabulosa mente hollywoodiana de ficção científica sem cortes de orçamento ou crise a limitar a criatividade, as pessoas que se iam para lá e cá pareciam como que iluminadas. Alguma aura de plenitude circundava a todos, que se riam por besteiras (todos eles), que tinham muito bem certo o que de fato significava besteira. Nada disso tinha a ver com o absurdo tecnológico ou qualquer outro candidato a bálsamo da humanidade, o estandarte mal ajambrado do progresso, quem sabe até de ordem, mas com o achar da essencialidade, do visceral. Em algum ponto distante do desencontro ancestral o caos veio de frente e ninguém mais conseguia falar bom dia sem que um milhão de interpretações fossem feitas, ponderações sopesadas, implicações projetadas, medidas e densificadas e só sobrasse tempo para um boa noite. Os arqueólogos buscam apresentar suas teorias, juntando pedaços de CDs antigos e pendrives recuperados, e de cada byte montam histórias colossais. Não se sabe mais por que, nem como, mas o fato é que de alguma forma conseguiram se desembaraçar daquele nó tão vivamente cultuado pelos que se diziam "modernos".
Recuperado do baque e das pernas, sassaricou por toda viela, biboca e quebrada, parando cada um que tivesse a sorte de cruzar os olhos com ele. Ninguém conseguiu explicar muito bem o que lhe tinha acontecido, nem o que aconteceu com os agora fósseis. Ninguém também mostrou muita lá preocupação com o causo, ou mesmo com os porquês. Para que se esquentar com isso, ouviu tantas vezes, se o que só é preciso é se permitir viver. Se permitir viver, sem os diz-que-me-dizem tanto, as fobias, encruzilhadas, retornos, atalhos, sem cobrança de prazos, metas, objetivos, como se a angústia do mundo tivesse sido geneticamente retirada de cada DNA de qualquer algo vivo, tendo bem a diferença sem fim entre responsabilidade e cruz. Enquanto ele recuperava o passo e se partia nesse mundo sem o rumo fincado a estaca, numa leveza de não sofrer para o onde, como e quando, marcados no script e distribuídos em cinco vias registradas, na liberdade de se deixar surpreender, seus companheiros de trabalho já organizavam reuniões periódicas, para se eleger o representante do grupo de buscas. Estavam na 25ª reunião, mas ainda tinham muito pela frente. Temas como a marca e intensidade do pó do café servido e se rodariam o ônus de oferecer a casa em sentindo alfabético ou zonal ainda não tinham sido enfrentados. Todos estavam ansiosos, na angústia de preverem que em 30 ou 40 reuniões a mais, teriam de contatar os familiares, e um subgrupo já estava se formando para determinar se seria a mãe, ou o irmão o primeiro a ser avisado.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
São Paulo III
De frente para um posto de gasolina, numa travessa tímida da Av. Sumaré, entre um prédio entediado e uma churrascaria/pizzaria/bar-dançante/karaokê de sextas e sábados, tem uma casa que de quartas-feiras a noite se ilumina de sala amarela alaranjada. De dama-da-noite vestido primavera, cerca de muro (baixo) e palmas abertas, se põe como velha sem se acabar, orgulhosa das rugas, de jardim a esbofetear a cara, ainda que com toda madura gentileza, deste caipira morador de apartamento que só faz imaginar como este pedacinho de cidade distante veio se encaixotar nesta cidade de tantos pedacinhos...
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
3 séculos a mais
Tem desses dias que nos perdemos nas pernas. As pernas que te faz, sem ver, olhar para a torre de muito amiga, num devagar sem arrastamento, um prolongar. Pode-se culpar de tudo. A bolsa, o Kassab, o mar de prazos, folhas e batidas frenéticas de teclado, pode-se culpar aquela palavra ou esse silêncio, culpa sempre se arranja, a pesar os joelhos. Não me ative nela, fui segurado pelo aperto. Esse sabe-que-lá já velho e muito conhecido. Um inconfundível nó nalgum lugar entre a tireóide e a traquéia. Esse miolo de pão que não desce seja quanta água for. O tema era o surrado desagrado do sozinho. A saudade do cheiro que não circunda mais, assombra. A pele, aquela pele. A ausência do ser cúmplice. Do ouvir o desembestar de qualquer história, a risada, o respiro, os pequenos barulhos. Era para pegar o ônibus, mas de aperto bastava o meu. Foram-se as pernas para o calor, sem dar a menor para os sapatos sola fina, o terno tecido grosso, convenções de medida da distância.
No randômico das mil músicas, a angústia durou 3, talvez 4. Eu já no automático da cena esperava pelo choro que não veio. Perdido e sem script até forcei uma, mas nada de nem furtiva lágrima. Me peguei gostando da batida pernambucana do Lenine, do ar da chuva que nunca mais desconjuro depois da secura impregnada nas narinas por 30 dias de cerrado. Já pelas pernas da Avenida, olhando o infinito dos tantos carros, a pergunta não era mais do que não tinha, mas de que filme a segunda-feira da 2001 me tinha deixado. Me vi no gostoso de Zelig de Woody Allen, da pipoca gorda nada de light e muita manteiga, no abençoar da chuva que veio na hora certa, na hora que quis.
Descobri nessa noite que o Word publica, a blockbuster nem pipoca tem mais, o x-salada com ovo vale uma dezena de reais e trinta minutos de esteira. Claro que o perfume é bom e falta pelo ar. Não perdi o querer. Perdi é o atropelo desesperado, como se tivesse lavado das mãos o encardido com a última gota d'água que me foi agraciada. Acho que perdi o ultra e estacionei no só romântico. Só é bom também, é bom também.
sábado, 11 de outubro de 2008
1996, a metade inteira
Não sei se foi o sono, ou se foi mesmo destino, afinal não se pode fechar os olhos para a tremenda coincidência. Em menos de 12 horas, ele bateria a mesma perna, e de novo, nalguma coisa dela. Andando para o fundo do café, ele nem viu a pasta colocada ao lado da cadeira. Foi um desastre. Antes a batida tivesse apenas machucado a perna que já estava sensível. Mas quando se pode ter resultados catastróficos, para que a simplicidade? A pasta escorregou pelo salão, parando apenas no garçom que trazia o café preto, sem açúcar, e dois pães de queijo que ela sempre pede. Com os olhos fechados para impedi-lo de assistir o desastre, ele viu só resultado. Um garçom estirado no chão, atônito pelo surgimento de uma pasta expressa fazendo caminho no meio do salão, um café esparramado e dois pães de queijo rolando para baixo da mesa. Ele púrpura de vergonha pede desculpas para a moça, para o garçom, para os demais telespectadores e não sabe se devolve a pasta, levanta o atendente, procura pelos pães de queijo ou corre desesperado até a cidade vizinha e nunca mais volta naquele café. Enquanto olhava para a porta, calculando a velocidade média necessária para uma fuga perfeita, o garçom já tinha se levantado e ela, olhando para aquela figura desolada, pergunta se tinha doído. Nunca conseguiu entender o porquê da pergunta. Não era de conversar com ninguém, muito menos com alguém que chutasse sua pasta e derrubasse seu café. Mas alguma coisa naquele rosto triste, naquele ar de desamparo a despertou. Era como se pela primeira vez tivesse olhado no espelho e visto nada mais que tristeza. Ele demorou para entender o que acontecia. De todas as alternativas previstas esta nem sequer passou pela sua cabeça. Olhou para aquela mulher bonita, que se esforçava para contrariar essa natureza a todo custo e, sorrindo pela primeira vez em dois dias, disse não. Senta, convidou ela desacreditando nas próprias palavras. Assim você me paga o café que me fez perder. Sentou. Pela primeira vez estava no lado oposto de uma mesa com outra mulher que não a sua primeira namorada, sua noiva, sua ex-mulher. No momento estava perplexo demais para se ver planejando alguma coisa e acabou por ser ele mesmo. Conversaram por duas horas. De frivolidades climáticas a confidências metafísicas. Mas nem um nem outro conseguiu falar de suas experiências românticas. Como se diz que seu casamento acabou porque sua mulher resolveu se entreter de outro alguém? E pior, como se diz que se passou a vida inteira sem nunca amar ninguém? Era já quase nove horas da noite quando ela caiu em si. Assustada com aquela rebeldia contra o cronograma tradicional ela resolveu voltar para casa. Se despediram na porta, ela chegou a oferecer uma carona, mas ele queria voltar à pé. Ela não conseguia se lembrar da última vez que tinha chegado tão tarde em casa, muito menos porque se perdeu conversando com alguém. Já ele tinha esquecido como era conversar. Seu casamento nos últimos anos se resumiu a grunhidos. Sua ex-mulher malmente o olhava, quem dera falasse com ele. Os dois dormiram como nunca. E enquanto ela cumpria sua rotina pela última vez, ele se refestelava na piscina, agora sem tentar nada mais do que se enrrugar. Depois do trabalho, correu para o café, sem nem perceber que a força que a impulsionava naquela tarde não era a rotina, e ele já estava lá. Ele nem precisou convidá-la. Ela foi direto à sua mesa. Ainda não tinha explicação para tamanho atrevimento. Agia pelo impulso que desconhecia. Impulso esse que, também pela primeira vez, movia aquele romântico desfalecido. Algo nela o acalmou. Quem sabe a dor na perna ou o furacão que revirou sua cabeça tivessem anestesiado seu ímpeto projetista. Dessa vez o assunto foi inevitável. Ele foi o primeiro a desabafar o desastre amoroso. Destapou a falar, do primeiro encontro à noite do dia 31. Ela não demorou muito a contar a história de sua vida amorosa.
Nunca teve uma. Pulou de um relacionamento para o outro sem nem vive-los. O trabalho a consumiu por inteira, não deixara nem uma força para outra coisa, mentia-se ela. Quando ela terminou, perceberam que, de formas tão distantes, chegaram no mesmo fim. Nenhum nunca tinha realmente amado. Ele porque perdeu todo o tempo planejando o que deveria ter vivido, ela porque não viveu qualquer coisa fora de seu escritório. Não sei te dizer como. Nem eles sabem. Se foi o fim avassalador que imobilizou a mania dele de só sonhar, se foi o olhar triste que fez ela se reconhecer, se simplesmente foi. Sendo qual motivo fosse, naquela noite do dia 2 de janeiro de 1996 ele aceitou a carona e às 10:00 da manhã seguinte, nenhum deles tinha acordado.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
1996, a segunda metade
Mas como dizia, ele se arrastava pela orla, triste que só, pobre dele. A vida estava tão distante daquela cabeça que os olhos não viram o carro. Não se pode culpar só a distância dele, temos que admitir que a sonolência dela contribuiu para o encontrão. Não, ele não ficou a beira da morte, ninguém passou a noite acordada olhando para o leito de um hospital todo aparelhado e com várias telas de pontos verdes subindo e descendo. Isso aqui não é escrito pela Glória Peres e muito menos tem um orçamento global. O que aconteceu foi o esperado. Ela se assustou, ele ficou com a perna doendo. Após alguns pedidos de desculpas e uma certa preocupação com o rapaz, após perceberem que não passou de susto, ele voltou a se arrastar e ela finalmente saiu do prédio e foi para o trabalho. O hotel era perto. E ele ainda não tinha conseguido engolir aquilo. Não a localização, mas a existência. Como é que aquela erra e ele é que tem que sair de casa? Anos gastos para se achar o sofá perfeito e as almofadas exatas para agora deitar num quarto padronizado e insosso. A vida tinha mesmo desmoronado e ele tinha as férias inteiras para sorver cada segundo amargo. Depois de se enrugar na piscina o dia todo, na tentativa frustrada de se matar de tédio, ele resolveu tentar dormir. A cabeça batia nos mais variados ritmos étnicos. Todas as tribos africanas eram contempladas pelo ressoar altissonante da sua ressaca. A noite tinha sido uma caminhada sem fim, regada a algum parente de quinto grau de alguém que já esteve na Escócia, mas de passagem. Mas mesmo com um sono de anteontem, não conseguiu pregar o olho. A imagem se repetia com um vigor invejável. Uma, duas, dez, cem, e a imagem não se cansava nunca, impávida, a maldita. Desistiu quando a imaginação resolveu tomar espaço, apresentando outros ângulos à cena. Lembrando de um café gostoso no centro, resolveu, para variar, dar uma caminhada e deixar os atores em posições acrobáticas performáticas terem um pouco de privacidade. Ao chegar nem notou que ela estava lá, aliás, como sempre faz, todo e qualquer dia. Se o choque adúltero tinha abalado por completo a rotina do nosso romântico, a dela nunca se desviou um centímetro, até mesmo porque a monotonia era tamanha que a possibilidade de algo chocante acontecer era, desconsiderando a margem de erro, zero. Acordava sempre às 6:00, tomava seu café invariavelmente as 6:15, e de banho tomado saía do seu prédio às 7:03, com uma pontualidade de fazer se remoer qualquer londrino. Entrava às 7: 30, almoçava ao meio dia, saía às 18:30, e o grande luxo do seu dia era tomar um na esquina café antes de voltar para casa. Tanta rotina consegue cansa qualquer um.... é melhor deixar o resto pra próxima, e tomar um café em algum lugar por aí.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
1996
Antes de fuxicarmos a vida alheia, é bom descer algumas linhas sobre este ano tão longínquo e talvez desconhecido pelos teus olhos novos. 1996 foi data de distinta euforia pelos rumos econômicos tomados pelo país quando do comando do último dos Imperadores, aquele que não pode ser nomeado (não, querida moça, não confunda com a literatura infantil de seu tempo). Muitos já se encarniçavam pelos beicinhos burgueses e neo-liberais do catedrático, mas a maioria nadava de braçada na maravilha do mundo com 3 zeros a menos e com a pífia realidade cinematográfica (ou em português claro, de Hollywood) da paridade com o dólar. Dá até para sentir falta de Pedro Mallan ('Essa história de recessão no Brasil é lixo, é bullshit') e de frango vendido a R$ 0,99. Quer coisa melhor do que ouvir palavrão em língua estrangeira em país que a maioria nem português fala, comendo asa frita com frango assado e canja de entrada? Mas não falemos de coisas pequenas, vamos nos ater ao que importa. Mil novecentos e noventa e seis foi o ano em que tudo aconteceu. Ele e ela se acharam no mundo. Mas não foi assim tão fácil. Ele nem sempre teve ela do lado. Ela nem sempre teve um lado para se ficar. Era 1º de janeiro daquele ano bom. Bom porque todo novo ano é. Não tem um cristão, ou mesmo anti-cristo, que não acha que dessa vez vai. Que vai, vai. Só que nem sempre para longe do que já se ia.... Ele andava macambúzio pela praia, entupida de pólvora, rosas e paulistanos que até aquela hora faziam fila para pular as três ondinhas. Chorava o fim. Não do ano, mas da vida com lhe era. Nunca se arrependeu tanto de uma surpresa. Antes não tivesse a sorte de conseguir um vôo para casa na véspera do ano novo. Antes não tivesse casado. Ela não se considerava feliz, mas não tinha grandes razões de tristeza. A vida era a de sempre. Do trabalho para o apartamento à beira-mar. Nele para a cama. Dela para o trabalho. A rotina era tanta que não abria espaço nem para sentimentos. Enquanto ele viveu planejando ela planejou uma vez só e viveu do resultado. Ele tinha a imagem da cerimônia do casamento na cabeça já na primeira vez que beijou aquelaoutra. Da carreira à cor do pano de prato, ele tinha decidido tudo. Só a escapadela daquela não estava no script. Já ela teve alguns, mas nenhum que valesse a pena pensar em qualquer coisa, nem mesmo se chegava a gostar deles. O que nenhum dos dois imaginava era que o ano de 1996 ia ser bom. Esse ia.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
E só
Recebi um delicado e sutil, preste atenção. Eu aqui a debochar de mim, brincando com algumas verdades, e recebo o sempre benvindo comentário de que não existem más ações, mas ações, e só. Um singelo puxar de orelha para trazer quem escreve para a profundidade que o tema deve ter, obrigando esse que adora brincar, falar sério. Pois então, falemos.
Todo erro, do menor ao mais catastrófico, realmente nos leva a pensar. Seja para justificá-lo à nossa consciência, seja para tirar algo de construtivo daquilo. Justificativa é fácil, rápido e indolor de se ter. Cinco minutos de um mal-estar no espírito, duas viradas na cama e pronto, vêm o apaziguar da alma, mais rápido e tão fajuto quanto café solúvel, e se fica com a certeza de que a culpa foi da marca do leite que se tomou como criança, que faltava em vitamina B o que lhe falta hoje de vergonha na cara. É o tirar algo que valha que de fato tira o sono. E exatamente por se ter apreendido do ato um algo que sequer gostaria tivesse existido. E aqui reside a atenção buscada pelo enigmático comentário. Ficar a se prender nas adjetivações dos atos, certamente, não levará a coisa alguma. Penitência não resolve o muro. Nada surge daí que não comiseração. O mártir traz para si as almas mais afetas a esse jogo baixo mas patina no mesmo, só aumentando a resistência para os próximos tombos. Fica-se na dor, que por mais verdadeira que seja, nunca foi suficiente para se crescer. O velho ditado pasteuriza um bom bocado do processo, subvertendo a lógica e pondo cor naquilo que não passa de um efeito colateral. Não é da dor que se cresce e sim de como se encara o ato pelo qual tanto dói. A isso, por mais descolado que possa ser, não vale de nada ficar se murmurando que é um pecador, um errante, um malfeitor, com cara de choro e Byron a tira colo. Aceitar o ato, como só ato que é, é ter de encará-lo não apenas como algo concreto, mas como externação consciente e querida de quem agiu, logo, você. E isso é bem mais dolorido do que buscar cafuné pela dó. O crescimento acaba por vir no perceber das limitações que te fizeram ter escolhido agir de tal ou qual maneira. É de fato identificar o porquê para que na próxima encruzilhada o ato que venha a ser tido seja o melhor que você acredita poder ser. Colocar em prática o livro Nietzsche for dummies e ser homem bastante para, eternidade adentro, quantas vezes te porem a escolha na frente, você tomar a mesma. Se tiver de deixar a bufonice de lado, diria que esse tipo de certeza não vem choramingando pelo bobo, parvo, ou menino que se é, mas no enfrentar aquilo que não é mais nada do que ato teu, e só.
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Procedimento
Michaela Augusta dos Anjos
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Another lonely day
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Vou me profissionalizar em bafo
Tive a felicidade de ganhar uma noite para não fazer nada nessa quinta feira. Passei 4 horas esparramado na frente da televisão, sem nenhum remorso intelecto cultural, num mar insípido de fútil entretenimento. Fui logo de America's Next Top Model, para entrar de solo na estupidez vazia, e quase tive overdose. Pra que perder tanta água potável com essa gente que só serve para fazer o resto do mundo se achar feio, entrar no cheque especial e te fazer ficar uma hora ansioso para saber se é a loirinha ou a ruiva que sai no último bloco (malditas mulheres bonitas, todas elas!).
Depois desse entupimento de nada nas artérias, acabei me desviando do curso e me peguei prestando atenção em algo que valia a pena, perdi 15 minutos da minha ociosidade assistindo a Grande Família. Mas logo me recuperei em grande estilo quando deixei as olimpíadas tomarem conta do tubo. De longe nada tem a ver com a babaquice de pseudo modeletes que acham que o que não está publicado na Vogue não está no mundo, mas convenhamos que não se exige qualquer esforço intelectivo assistir um bando de marmanjo, (que toda vez que lembro terem 5 anos a menos que eu, me irrito profundamente e me pego perguntado o que é que eu fiz que não estou competindo pelo ouro olímpico), se desembestando a nadar. Vi o sem graça do Phelps ganhar sei lá qual das trocentas medalhas de ouro que o que não sabe perder ganhou.
Depois da crônica do ganhador anunciado encerrei minha ociosidade com chave de ouro, numa emocionante partida de ping pong. E não me venha você em dizer que o correto é tênis de mesa, porque isso não passa de uma tentativa mal remendada de dar verniz de seriedade para o esporte mais ridículo do mundo. Será que sou só eu que quando vejo a mesa, a redinha, mini raquetes e uma micro bolinha de plástico, penso diretamente em infância, e sala de jogos de hotel barato? Primeiro que é uma sacanagem sem fim o fato de fingirem ter competição. Competição de quem? Todos os jogos que eu vi era um japonês contra outro japonês, e a única coisa que mudava era a bandeirinha no canto do vídeo. Estamos numa olimpíada, bilhões de chineses assistindo, junto com o que restou de população e são dois japoneses, frente a frente, intercalados por uma mesícula azul, o foco de toda a atenção. O melhor é todo o mise en scène da coisa, o cuidado no segurar a bolinha na palma da mão como se origami de papel crepon fosse, as quicadas ritmadas e concentradas antes do saque, o olhar fixo nela, pro alto, mãos de shiva e pimba, vai a bolinha, volta a bolinha, vai a bolinha, fica a bolinha. E assim eles vão até que um japonês ganha a partida e todo mundo finge que não se morre de rir por dentro lembrando de quando se tinha 10 anos e ping pong era a única saída para a chuva na casa da praia. Acho que o Brasil poderia inovar nas de 2014 e propor uma nova modalidade de jogo, o triatlon infanto-juvenil, composto de bafo, bolinha de gude e empinação de pipa a distância. Ia botar o ping pong no chinelo.
ps: é só pausa num tema mais dolorido, que já vem, mas que é custoso de sair.
sábado, 1 de março de 2008
Não quero mais saber do apartamento que não é libertação
Eu tenho problemas com meus vizinhos. Eles têm comigo, na verdade. Moro num apartamento honesto, de simpatia agradável, sem muitos rebuscos, mas carinhoso. O duro é que cercado por senhoras. Muitas delas, todas elas, e senhoras, bem senhoras. Nada contra senhoras, que deixe isso muito mais do que claro. Sou daqueles que sorri para velhinhos na rua, acho mesmo a prova mais concreta que dá pra passar pela vida e sobreviver a ela. Mas o problema é a mistura das coisas nestes andares. A senhora maior, com o lustroso título de subsíndica do prédio, é bom exemplo. Já logo no primeiro dia de casa, recebo o susto da campainha. Abro, está ela. Baixinha e brava. Não sei sinceramente dizer qual dos dois adjetivos ganha do outro. Chamemos um empate. Boa tarde rapazinho, ela me diz. Gostei do rapazinho... me senti no pré, sendo repreendido pela tia porque comia o giz de cera da coleguinha do lado (não sei até hoje se o puxalão foi porque tóxicos ou caros). O rapazinho leu os termos de convivência do prédio? Eu li, o pior é que li. Aliás, quase chamei a polícia, ou os marines talvez, passado o choque. Propaganda nazista, para ser delicado. "Não respire perto da janela ou da porta, você pode incomodar. Se com sinusite, evite respirar em qualquer lugar, barulhos são indesejáveis. Ao assistir uma partida de ludopédio não grite, não resmungue, nem murmure, movimente seus lábios o menos que puder. Bebidas são terminantemente proibidas, visitas também. Existem lugares próprios para balbúrdias. Sem libertinagens! Manuel Bandeira é pena capital, dirija-se de imediato ao segundo secretário geral que o lhe proverá com o bom de Alberto de Oliveira e suas lindas descrições de vasos. Pregue pregos se estritamente necessário. Horário permitido: 13:30 a 13:33 das quartas-feiras ímpares dos anos bi-sextos". Essa era minha infração, eu martelava como um desvairado para o horror dos ouvidos vizinhos numa terça-feira, às 18:31. Era um acinte, um achincalhe aos costumes. Cadê o devido respeitos às regras condominiais? Aonde está a ordem? Martelei, na verdade, duas vezes, o suficiente para ser notado e para o deslocar daquele xerife impávido. Leu? Então o mocinho sabe bem que não deveria estar fazendo o que está, a essa hora da noite, atrapalhando o bom e merecido descanso dos seus convivas, bons cidadãos de paz! Mas minha senhora, são 18:31 e tenho só este mísero e minúsculo prego para fixar, sou um trabalhador, tão misero quanto o prego, mas longe de ser tão útil... tenho minhas semanas consumidas pelos donos das coisas, pelos chefes do mundo, pelo homem. Não interessa! Regras são regras. Tome essa seu advogadozinho de merda. Bom, quando então, se por mais que estejamos em ano bi-sexto, minhas quartas ímpares estão ocupadas ano afora pela infelicidade do trabalho? Nunca. E assim foi. Tive de deixar meus quadros na expectativa do dia 11 de março, que clarividentemente me previ uma febre das brabas que preocupará a todos do escritório...
É esse o grande problema das senhoras que me cercam a casa. Elas foram tele-transportadas de uma minas gerais de 235 anos atrás, fundadoras da mais crua e inflexível raiz do TFP. E não tem absolutamente nada para verem de suas janelas. As pessoas passam longe demais da vista. Como se ocupar então? Vamos tornar a vida desse menino insolente em um inferno. Dante terá pena, pena! Quem ele pensa que é para ouvir dessas músicas, a esse volume? E as companhias então? Subversivos, todos eles. Comunistas, comunistas! À fogueira! Assim, meus amigos são contrabandeados quando consigo brecha, após meses de planos, contraplanos e ensaios, e me abastecem a cerveja. Ficamos todos em silêncio e nos comunicamos com blocos de nota e lápis macio. Confesso que me dá saudade deles, mas a sala é boa, e acabei de terminar a mobília. E não sei, mais tem umas músicas do Padre Marcelo Rossi que são até que batutas, viu?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Fé na rampa!
O ano de 2007 veio como uma bala. Straight to the head, or is it the heart? Percebi que se não pegar o dia pelos calcanhares ele te mostra só poeira. Vida de recém formado é prova de fogo, com direito a arcos flamejantes e pulos à morte. Você não tem o que quer, corre feito cabrito para se manter no caminho que acreditar ser o certo para se ter, mas sem ter a certeza de nada, as vezes nem mesmo do que se quer. Adultos, tá bom... Não se têm mais o manto grosso da adolescência para nos aquecer os erros. A cara é tua, o muro está próximo, e indefectível. De tiro no peito, resolvi me enveredar numa corrida boba de fazer de cada minuto algo valoroso. Preciso crescer a toque de caixa, por imposição das minhas próprias pernas, pelo caminho que me coloquei para cabritar. Não cabe mais a calmaria do indefinido, os dias são esquadrinhados a laser. E se você ainda morar num aboletamento engalfinhado de gente, que nem mafagafo sobrevive, aí meu amigo, Jack Bouer é escoteiro mirim perto de você. Queria ver ele passar por estas 24 horas. Levanta-se às 6:03 (não sei você, mas eu sempre coloco alguns minutos mais do que o certo para o acordar, acho que ainda é minha alma de criança chorosa em inverno brabo que grita por mais um tempo na cama). Levantar é mesmo o verbo.... pelo só ato físico de se sair da cama, porque acordado ainda não se está. Ainda sem entender muito bem porque diabos se está de pé quando nem o sol resolveu firmar ainda, com a percepção de um recém nascido, com luzes a explodirem a sonolência teimosa, num estado morto-vivo vampiresco, você se veste. Como você é ainda daqueles que resiste ao massacre, numa utopia bonita de acreditar na possibilidade de um viver saudável sob 375 mil toneladas das partículas mais altamente perigosas que o homem é capaz de produzir, você saí para correr. Corre-se a meia hora conseguida, e emenda (você é xiita) uma academia, espaço que os antigos gostavam de se referir como câmara de tortura inquisicional. É 7:47 e você corre para tua casa. O vislumbre da cama é piada de mal gosto. Banho. 8 minutos. Enquanto uma mão se ocupa dos cabelos a outra te escova os dentes, e a única idéia fixa é a reclamação anotada da falta absurda de uma terceira, que poderia muito bem estar te fazendo a barba. A roupa seria só vestida com mais rapidez se equipada de velcros. De pasta na mão, com mais pinduricalhos que o batman, a corrida agora tem como destino o ponto de ônibus, esse oásis de felicidade, que tenho a certeza, absoluta, de que nenhum mortal jamais teve fagulha de chateação. Eta serviço porreta esse. O relógio bate já 8:20 e nada do abençoado. O suor é de medo. A figura caricata do chefe se mistura à súplicas, berros, estagiários mortos pelo caminho na tentativa do chefe aplacar a sua sede de sangue. 8:35, agora vai. Você e mais 72 pessoas, também felizes, todos numa grande jornada ao sublime. Mantendo a paciência zen-budista, de sorriso complacente no rosto, segue-se pelo sem fim de carros à 0,35 km/h, num enorme cortejo à boa vida.Tudo isso para chegar ao trabalho, que dizem os que nunca precisaram se valer desta prática , enobrece o homem. Só se for o homem dono. Não vou aqui me atrever a pormenorizar estas horas de trabalho, seria muito terror para estômagos fracos, basta ter de vivê-los. Passadas as horas perdidas, se para a maioria dos cristãos o dia acaba, o teu dia pagão ainda tem chão. Nada melhor, depois desse périplo, do que entrar em contato com o saber, este deleite da alma, mas não do resto do corpo. Dá 18:35 e você, já de janta comida num cubículo qualquer que os chefes esqueceram de colocar um estagiário e chamam de copa, arrasta a carcaça para a aula, que em impiedosas 19 horas e 30 minutos, começa. Se não tive coragem de relatar aqui as pequenices do trabalho, não vou conseguir sequer pensar no tempo consumido entre às 19:30 e 22:45. Imaginemos um buraco negro, sugando por seu vórtex toda a felicidade do homem, deixado nada que dor, dor. Em casa pelas 23 horas e sei lá quantos malditos minutos, o pensamento final, a dar o pontapé ao abismo, é a certeza de que o próximo dia será, inexoravelmente, igual. Mas se se tem de andar, e andar é assim, que venha o próximo. Saravá!
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
São Paulo II
Choveu no dia 12 de fevereiro em São Paulo. E muito. Pelo andar das 11 horas da noite passava pelo fatídico. Uma dessas árvores que dão a impressão de se prenderem ao núcleo do mundo, mais antigas que o tempo, despencou sem dar tchau, simplesmente caindo. Da árvore, ficou só a irritação do tráfego, que não deu o mesmo cuidado que a luz àquele gigante abatido, que solene rompeu a cortina silenciosa com o único adeus, o estampido forte dos cabos que se encontravam ao caminho, e nada mais. A noite continuou a se perder pela chuva, e o trânsito a reclamar do estorvo.
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Antes fosse a vida. Vivida.
Vinte e quatro anos. Se você pensar bem, chega a ser muito pouco. Eu, que fui abençoado com a memória de um peixe dourado, não tenho muitas lembranças dos meus primeiros dez anos de vida. Vá lá, tenho alguns lampejos de acontecimentos. A casa da infância, as pequenas estripulias. Mas não sou capaz de te relatar que aos 7 anos eu corri de um vespeiro todo, só pela burra idéia de excursionar o que na época me era floresta, mas que os adultos enfadonhamente chamavam de mato. Eu sei lá quando isso aconteceu, nem mesmo porque diabos eu e sei lá mais quem estava comigo resolvemos nos aventurar no matagal mais próximo. Mas pelo menos eu lembro das vespas, do álcool, da cara desaprovada da mãe.
Nisso, o que de uma pessoa normal já se pode tirar uns 4 ou 5 anos de tempo útil, eu perco um bocado. Subtraia o tanto que se dorme, se perde no trânsito, em discussões inúteis, arrumando o quarto, você chegará a uma inexorável constatação. De vinte e quatro anos você viveu bem uns dez, caso você tenha o incomodo hábito de se perder em discussões inúteis como eu. E se você ainda se atrever a pensar que foram dez verões, aí você vai sentir a facada. Dez? O pior é que ainda assim, se formos ser rígidos com a palavra, viver, viver de verdade, você não viveu. Na maior parte do tempo deixou as coisas seguirem a pasmaceira do sempre. Na simples comodidade de reclamar de longe, sentado de preferência. Foram poucos os momentos em que se realmente abriu os olhos. Acabamos sempre nos enrolando com pseudo-problemas, que atazanam as noites em que se devia apenas sorrir para tua turrona mania de se levar pelo desespero, mais sério que filme francês. Não acho que se deva deslizar pela vida, faixa na cabeça, cabelos emaranhados num psicodélico rock progressivo, só de paz, amor, e alpargatas. Os problemas, ainda que os menores, existem, por certo. Mas porque diabos viver a vida como se deles saíssem o prêmio. Como se o propósito de tudo fosse queimar cada pestana com esse ou aquele entrevero. Queria saber em que parte da minha infância, ou adolescência perdi a vista 20 por 20 que gostava de saber ter. Angustiado, de cabelos em pé, perdido pra lá e pra cá de uma só vez, fiquei míope. Vejo alguns centímetros do caminho, e me irrito com cada lombada.
Mas não acho que tenha esta felicidade sozinho. Vejo meus bons amigos, recém saídos da fôrma academicamente talhada, e completamente infelizes. Seja por não saberem ao certo o que realmente querem, seja por saberem e verem o tanto que terão de pelejar, não importa, o final é sempre o mesmo jogo marcado de querer o escuro, silêncio, talvez o útero materno. Queria chacoalhá-los todos. E me incluir no tranco. Inferno, se dormimos tanto, e o trânsito não dá sinal de melhora, vamos, pelo amor, deixar o inútil de lado e lembrar de sorrir dos chatos que somos, porque começo a perceber que o negócio não é só virar diplomata, procurador, grão-vizir, mas a pernada que foi. Eu provavelmente não vá lembrar de tudo, mas ao menos vou bater o martelo e dizer que fui feliz. Eu me contento com isso.